Quando,
há uns meses atrás, li Aleluia!,
não pude deixar de sentir um enorme grau de identificação, que sintetizei da
seguinte forma:
Este
ensaio é uma análise lúcida sobre fé pessoal, sobre religião organizada e,
sobretudo, como por vezes esses caminhos parecem – para quem os percorre -
incompatíveis e sujeitos a sentimentos demasiado subtis, muitos
incompreensíveis, e até contraditórios e aleatórios.[1]
Embora
a minha “formação” religiosa fosse católica apostólica romana, lá pela
adolescência ganhei a percepção de que o corporativismo aqui identificado[2]
afastava a religião organizada do cerne da sua palavra. É uma herança que
aceito, mas que deixou de me fazer sentido, mas nem por isso deixei de tentar
perceber qual o seu papel e a sua importância nas nossas vidas.
As
primeiras coisas foram lidas em duas etapas[3].
O que não impediou um novo sentimento de identificação. O fictício Bairro
Amélia (BA) é um (não tão) microcosmos da nossa aldeia global nacional. Resulta
da visualização ao microscópio de uma lamela da nossa idiossincrasia nacional
num determinado local, num determinado período da história linear do nosso
país:
O BA é transversal a muitas vivências à margem da urbe lisboeta. O BA é um
state of mind geográfico-geracional.
Isto
é o mesmo que dizer que algumas daquelas pessoas, alguns daqueles lugares me
são familiares, embora a minha se situe em Agualva-Cacém e a maior diferença
seja o meu “bairro” seja habitado, não tanto por quem teve de sair dos diversos
países africanos, mas por quem teve de sair do interior do país em prol das
ambições e esperança de uma vida melhor, muitas vezes gorada pela engrenagem de
uma herança social que poucas possibilidades permitia.
Então,
eis que cheguei a hoje
estarás comigo no paraíso. E com ele a uma nova identificação. Esta
mais pessoal: a do impacto familiar que uma morte mal esclarecida pode ter[4].
É também um relato sobre luto. Mas é sobretudo sobre como olhamos para a nossa
família, a nossa primordial referencia para o mundo que nos rodeia, e como a
maioridade significa tão somente sabermo-nos sentar junto dos nossos, por vezes
heróis de infância, e vê-los como os homens e mulheres que são, na maioria das situações,
apenas sobrevivendo às (suas) escolhas possíveis. Ou como o autor sintetiza: “Onde é que a história da nossa família contamina a nossa história
individual?” (p. 297)
Olhando
agora os três livros em perspectiva, parece-me que cada um – no seu jogo de registo
pessoal a tocar o documentário e a ficção a partir da experiência pessoal –
procuram explorar a tríada basilar da formação identitária do individuo: fé,
pátria e família. E estando estas três vertentes tratadas, é com curiosidade
que aguardo o futuro trabalho do autor.
Deixei
propositadamente para último a alusão ao Guia
para 50 personagens da ficção Portuguesa. Este não se enquadra, pelo
menos à primeira vista, nesta tríade identitária. Mas… se a nossa opção
profissional diz muito sobre o que somos e o modo como encaramos o mundo, e a
minha opção recaiu sobre o mundo dos livros e de como os podemos levar aos
demais, então este livro revelou-se uma interessante ferramenta para o meu trabalho
e, claro está, para mim, contribuindo um pouco mais para o meu desenvolvimento
profissional e não só.
[1]
A auto-citação pode parecer presunçosa, mas nos tempos que correm, não quero
ser acusada de auto-plágio e ter de me auto-despedir da escrita deste blogue
que, apesar de público, é auto-pessoal.
[2]
E a cada passagem em que substituía a palavra igreja ou religião por outra igualmente
institucional, como entidade patronal, associação, entre outros, e a
identificação é a mesma.
[3]
Constrangimentos de quem faz da biblioteca pública a sua biblioteca privada e
de quem quer ler mais e melhor e se deixa levar por leituras intercalares.
[4]
Há muito que convive em mim a ideia de colocar no papel a possível história de
Adelaide Lucinda. E sim. Qualquer semelhança com o meu nome é puramente
intencional.
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