Esta não foi a
minha primeira incursão pela escrita de RGC, mas quase poderia ter sido, tal a
sensação de agradável descoberta que me suscitou. A primeira foi A Casa Quieta.
No entanto, foi já há tanto tempo, que pouco recordo e não garanto sequer se o
que recordo condiz com o que li. Tenho a vaga memória de uma família nuclear
(talvez de 2 filhos), uma casa de família no interior à qual regressam (talvez
de férias), mas sobretudo de uma ambiência quase fantasmagórica, como se os
personagens não habitassem a casa, mas apenas por ela deambulassem. Será? Daqui
a uns meses tiro as teimas, quando ler novamente o livro a propósito da
Comunidade de Leitores da Penha de França.
Mas falemos
deste Pianista… e o desafio é sintetizar os conceitos que o autor nos explora
magistralmente através da interacção de um leque de personagens que nos cativa
e que, pela sua diversidade, nos permite, enquanto leitores, estabelecer uma
identificação, seja com os temas, seja com os personagens. A história é co-protagonizada
por Maria Luísa, uma jovem solitária, apesar de fisicamente atraente, através
de quem o autor explora a noção de “o nosso corpo chega sempre primeiro” aos
outros e condiciona sempre o modo como os outros nos percebem. O
co-protagonismo é partilhado com Luís Gustavo, um jovem enfermeiro que num
momento de descrença profissional descobre o poder redentor da música e através
de quem se explora o conceito da música como tradutora do indizível e como ponte
de comunicação entre dimensões. Em redor destes, um rol de outros personagens são
apresentadas sempre com um nome duplo, representando a dualidade com que sempre
nos debatemos: o visível e o invisível. Porque se “o essencial é invisível aos
olhos”, todos temos uma imagem, um corpo que nos representa, mas somos ainda
uma amálgama complexa de tudo o que não mostramos, mas contemos nos nossos
jardins proibidos. Apenas um personagem tem direito a um terceiro nome, Sérgio
Ribeiro Leão, talvez por ser a personagem que se nos apresenta como tendo –
através da música – atingido um equilíbrio entre visível e invisível.
Esta é também
uma história de desencontro contínuo. Um limbo. Em que os personagens são como
que mortos em vida e os mortos teimam em permanecer num mesmo plano
dimensional. Todos, de certo modo se cruzam, mas nenhum se encontra. E apenas a
música ainda alenta uns e outros.
Revisão:
Clara Boléo | Editora: Dom Quixote | Local: Alfragide | Edição/Ano: 1ª, Maio 2017
| Impressão: Guide | Págs.: 468 | Capa: Rui Garrido |
ISBN: 978-972-20-6270-1 | DL: 423992/17 | Localização: BLX PG 82P-31/CAR (80305310)
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