A Obra ao Negro, Marguerite Yourcenar


Nunca se pode ser tão livre quanto se deseja, quanto se quer, quanto se teme, quiçá tanto quanto se vive.” (p. 138)

Há mais de 20 anos, no período de faculdade, iniciei a leitura de As memórias de Adriano, do qual não passei de umas quantas páginas iniciais. A densidade do texto e, talvez, a maturidade do personagem/narrador estavam demasiado longe da minha inconstante superficialidade de juventude.
Este verão, a propósito da nossa Comunidade de Leitores da Penha de França, voltei a esta autora. E, sim, andei cerca de 3 meses ler intercaladamente este livro, que é uma minuciosa viagem pelo final da Idade Média e pelos tumultos ideológicos, sobretudo teológicos, que o caracterizam.
Esta não é uma leitura de que se encete de animo leve. Requer atenção e tempo para uma escrita densa e impregnada de pormenores que nos transportam para a época, mas, sobretudo, que nos colocam em confronto com a inevitável circularidade da história e o seu protagonista de sempre: o mediano ser humano, incapaz de se desprender da sua mediocridade e procurando sempre impor a sua (aleatória) regra e fé, mesmo que isso signifique a tortura e a morte do seu próximo.
É complexo salientar aspectos deste magnifico trabalho de recriação de um tempo, de várias culturas, de vária fés, e dos homens que os protagonizaram. São tantos, que me sinto uma leitora pequenina e com tanto para aprender. Por outro lado, foi-me díficil, não ler em muitas frases e reflexões o reflexo deste nosso quotidiano, sobretudo no capítulo “O Acto de Acusação”, principalmente entre as páginas 222 e 227, onde se apresentam, só a titulo de exemplo:
  • os erros de vários filósofos;
  • A indiferença do sábio, para quem qualquer país é pátria, e qualquer culto válido, …
  • feria duramente não só a nossa fome de estar no mundo, como o orgulho que de forma tola nos assegura que merecemos continuar nele.
  • os ventos eram cada vez menos favoráveis à liberdade de opinião.
  • Pouco importava, sobretudo, que se descobrissem meios de registar a palavra humana, que já por demais inunda o mundo com o seu ruído de mentira.
Como já afirmei, este livro requer uma leitura atenta, tal a riqueza de pensamentos e argumentações que apresenta, tal como do vocabulário apropriado, muito dele em desuso no nosso quotidiano. Nesse sentido, quero salientar que a tradução deste livro, a partir do francês, foi feita a três mãos, por António Ramos Rosa, Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes, cujos créditos não devem ser esquecidos
Título Original: L'Ouvre au Noir | Tradução: António Ramos Rosa, Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes | Revisão: … | Editora: Dom Quixote | Colecção: Ficção Universal, nº4 | Local: | Edição/Ano: 2ª, Abril 1985 | Impressão: Santelmo | Págs.: 275 | Capa: Fernando Felgueiras | IDL: 8553/85 | Localização: BLX Bel 82-311.6/YOU (80318335)

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