História do Rei Transparente, Rosa Montero


Esta foi uma experiência estranha de leitura e um exemplo de como uma leitura anterior contamina por completo o modo como apreendemos a actual, raramente de forma benéfica. E como? Para tal, deixem me explicar que a minha anterior leitura foi nada mais, nada menos que A Obra ao Negro de Marguerite Yourcenar, que é uma minuciosa viagem pelo final da Idade Média e pelos tumultos ideológicos, sobretudo teológicos, que o caracterizam e não deixa nenhuma subtileza teológica por abordar. É um livro denso, de um realismo microscópico, que nos eleva a fasquia enquanto leitores,que uma vez conquistada, nos deixa noutro patamar de capacidade leitora.
Foi neste contexto, e ainda a processar o livro anterior, que iniciei a leitura desta História do Rei Transparente. O início foi cativante: “Sou mulher e escrevo. Sou plebeia e sei ler. Nasci serva e sou livre.” Deu me uma premissa de superação, no feminino. Que bom, depois de um relato no masculino, ter uma perspectiva contrária e, fui me apercebendo, navegando, embora em séculos diferentes, dentro de temas semelhantes: a (in)tolerância religiosa, a (aceitação da) diferença, o obliterar o destino mais óbvio e a condição feminina.
No entanto, com o desenrolar da trama, mais fantasiosa que realista, o meu interesse foi se desvanescendo e só encontrei um ponto de equilibro que me levou a bom porto quando aceitei este como um livro de aventuras e não um romance histórico. E, aqui, o livro acompanha as desventuras de Leola, uma camponesa que a guerra entre senhores faz destituída de família e que para sua protecção se disfarça de cavaleiro armado. Pelo caminho encontra um punhado de personagens, na sua maioria bem mais interessantes, que a vão confortar com outros pensamentos e formas de encarar a vida, seja no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade, seja pela forma como encaramos a crença no divino ou o modo limitado que temos de processos naturais e que originam muitas das superstições que ainda hoje sobrevêm. Duas dessas personagens são Nyneve e Dhouda, uma bruxa branca e a outra uma guerreira cujo lado negro absorveu por completo. Duas mulheres enigmática e cuja inteligência oblitera a de Leola.
É um mau livro? Nada disso. É um livro de leitura fácil, de construção eficaz e que nos vai alimentando uma certa curiosidade sobre as peripécias vividas pelas personagens e cuja autora assume como uma ucronia1. Tem diversos episódios e foca muitos temas, embora não apresente reflexões profundas, ficando se sempre pela rama. E é este facto que nos deixa sempre a sensação de que falta um bocadinho assim… Ou seja é demasiado leve e inconsequente nas reflexões sobre os temas complexos e aliciantes que apresenta, o que faz dele um bom livro de entretenimento, mas não de alimento.
1Reconstrução da história ou de um evento tal como poderia ter acontecido e não como aconteceu realmente. 2. Período imaginário, hipotético. "ucronia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/ucronia [consultado em 17-11-2018].

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