Tudo o que sei sobre mortes aprendi na televisão. Desde as inócuas
imagens de um corpo, geralmente de barriga para baixo, em Crime,
disse Ela... até aos mais explícitos e macabros, e muito menos
explicáveis, crimes de True Detective.
A televisão consegue preparar-nos para a Perpetração premeditada
de uma morte. Mas não nos prepara para o confronto real com o
resultado dessa morte: um cadáver. Não me refiro a um corpo
arranjado num caixão para efeitos de despedida pública e início de
um luto privado. Refiro-me a um corpo, ou ao que um dia foi um corpo,
e hoje se parece não sei bem explicar, há falta de qualquer termo
de comparação.
O primeiro impacto é o cheiro. No meu caso foi o cheiro. Algo entre
fruta podre e fezes. De uma intensidade que parece entranhar-se nas
narinas para ficar. E por muito tempo. De tal maneira que mais parece
indescritível. Tão indescritível que não me passou pela cabeça
que na sua origem estivesse um corpo em decomposição. O segundo
impacto: a dessincronia entre o que sabemos que estamos a ver, mas
que não queremos ou não sabemos acreditar. Depois, a lenta,
lentíssima consciência de agir de modo a tomar as necessária
medidas. É quando nos apercebemos que o aparentemente simples acto
de ligar para o 112 se transforma numa tarefa hercúlea e que todas
as formações e acções de primeiros socorros não nos valem nada
quando a nossa mente não consegue responder a...
“112. Qual é a sua emergência?”
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