"Falar
de resultado, neste caso, seria o embelezamento duma ideia de vítima,
e a filha (...) era ela mesma, e a herança consistia na mistura do
que herdava com a transformação da herança, feita por sua
vontade." (p. 127)
Esta
foi a minha primeira incursão pela escrita de Lídia Jorge. Este
romance, subdividido em 100 pequenos capítulos, relata-nos, ora na
primeira, ora na terceira pessoa, a história da família Dias, e em
especial do seu filho Walter, e o modo como a sua ousadia e ausência
influência e molda a continuidade da mesma.
A
narração está a cargo de uma mulher, cujo nome nunca é nomeado, e
que se fica a saber ser a filha biológica de Walter, mas que é
perfilhada pelo seu tio Custódio. Ela faz-nos então compreender
como esta “verdade”, este acordo tácito, que é do conhecimento
de todos, mas que nunca é verbalizada, se torna uma pedra basilar de
todas as relações familiares, e sobretudo da sua personalidade.
Porque a ausência de Walter, o trotamundos, como é chamado pelo
pai, permite uma idealização e essa idealização pode ser a maior
herança que ela alguma vez receberá. Esta é uma ideia que Mia
Couto também refere no seu O Outro Pé da Sereia, quando uma das
personagens afirma: “Vila Longe era uma terra de homens ausentes.
Saiam dali adolescentes, sem idade para serem homens. Regressavam
doente, demasiado tarde para serem maridos. Por fim, tornavam-se país
quando as esposas ficavam viúvas.” (p. 243)
Mas
este não é o único livro que esta narrativa me trouxe à memória.
O outro livro é A História de meu filho, da nobelizada Nadine
Gordimer. Ambas as narrativas resultam da tentativa dos filhos de
colocar por escrito as suas histórias e assim compreender e ganhar
consciência de como as relações parentais, seja de que nível
forem, têm um papel primordial e inescapável na formação do
individuo. E como as percepções dos filhos se alteram ao longo dos
anos, à medida que estes vão amadurecendo e compreendendo outras
subtilezas da suposta maturidade: “Será que alguma vez nos
esquecemos deles, dos pais, por um momento? (…) Porque mesmo quando
desafiamos os pais, quando os enganamos, confiamos neles.” (p. 33);
“o que ele fez (…) fez de mim um escritor. / Eu sou um escritor e
este é o meu primeiro livro – que não posso publicar nunca.”
(p. 218)
os
narradores, ao escreverem-se e às suas circunstâncias, conseguem
assim ganhar o distanciamento necessário para compreender os seus
progenitores fora do seu espectro parental, para os perceberem e
aceitarem como adultos imperfeitos e assim conseguirem enterrar o
passado, seja sob a forma de uma manta militar, seja pela catarse dos
seus fantasmas.
Editora:
Biis (Leya, SA) | Local: Alfragide | Edição/Ano: 6ª, 2009|
Impressão: Litografia Rosés | Págs.: 189 | Capa: Rui Belo / Silva!
Designers | ISBN: 978-989-65-3001-3 | DL: 283602/08 | Localização:
BLX Oli ROM ROM-POR JOR (80319867)
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