Nas
bibliotecas existem milhares de livros que nunca foram lidos.
Aguardam serenos, com as lombadas alinhadas, as capas inibidas e as
páginas lisas, à espera do momento em que dedos incautos as
percorram, fecundando-as com o olhar e criando um universo entre
palavras e imaginação, que o autor inicia e o leitor povoa. Estes
livros são, por ventura, as meninas feias das festas que ninguém
convida.
Não
sei já dizer quantos destes livros iniciei na arte de serem lidos.
Sei que alguns não serão lidos por mais ninguém. O que
faz da minha, a leitura primordial e única. Por isso, não é vã. Fica marcada naquelas páginas, outrora virgens
e intocadas, agora viúvas de outros olhares.
Imprimi
a minha presença primeira nas suas páginas para que outros
percebam: cheguei tarde a este novo mundo. Já não sou explorador
nem colonizador destas páginas. Sou só e apenas aquele que veio
depois e que tem de lidar com as marcas deixadas. Sim, marco a minha
posse. Deixo a bandeira da minha descoberta.
Pego nessa bandeira, eu leitora incógnita, folheio esses livros pouco remexidos, pouco queridos. Trago-os comigo. Deixo que se sintam em casa, nas minhas estantes, aconchegados entre os meus, que possuo, uns com assinatura, outros com a leitura de cabo a rabo, outros com assinaturas desconhecidas, resgatados do lixo, do abandono. Livros são sempre seres únicos. Os dias mudam-nos e cada vez que pegamos neles somos outros, dentro do mesmo corpo. Tal como o livro, encerrado naquela espessura, na mesma numeração de páginas. Talvez eles nos oiçam, e nos peçam, que tal como nós, lhes arranquemos uma páginas talvez a mais; talvez maldita; talvez tenebrosas... simplesmente uma página que queremos esquecer.
ResponderEliminarGosto tanto do teu texto... Obrigada! :)
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