Comunidades de leitores: Programação ou calendarização?

Quando insistimos na inclusão dos participantes das comunidades de leitores nas escolhas dos livros a ler temos de estar conscientes de que esta pode dificultar o estabelecimento de um programa de leituras, por oposição a uma calendarização de sugestões. Então, de que falamos quando falamos de programação e/ou calendarização?

De forma muito simples, a programação é a definição de um conjunto de iniciativas que, através de uma ligação subjacente, tem como objectivo a sensibilização para ou a compreensão de uma temática. Já a calendarização é o agendamento de iniciativas, à partida, sem qualquer ligação entre si.

Enquanto mediadora de leitura, ser-me-ia mais fácil estabelecer um programa de leituras, devidamente fundamentado do ponto de vista teórico e de enquadramento institucional. E faço-o, mas para os públicos infantis e juvenis ou na fase inicial de um projecto, em que se tem que avançar com uma proposta e ainda sem participações. Mas, enquanto dinamizadora de uma comunidade de leitores para um público adulto e que quero participante e incluído no processo de seleção, o resultado final poderá não ser necessariamente coerente ou passível, de a priori, estabelecer um elo de ligação, que não o da própria leitura num dado espaço e tempo.
Já tive a experiência de programação, quando em 2013 desenvolvi e implementei o projecto Leituras na Juventude. Sendo que o mesmo se na Casa da Juventude, na Tapada das Mercês, Sintra, e como considero que os espaços de acolhimento e/ou desenvolvimento devem reflectir-se no conteúdo de um projecto, ainda que este não pareça ter uma ligação óbvia ao espaço em si, a linha orientadora foi de abordar obras de jovens escritores ou em que as personagens principais fossem jovens. Confesso que é um exercício aliciante e desafiante.
Na Comunidade de Leitores da Penha de França essa “programação” não tem sido possível. Mas isso não me deixa minimamente desmotivada. Porque, pelo contrário, sinto uma participação activa nesta seleção e que se reflecte depois também na adesão nas sessões. É claro que esta selecção também pode ser “orientada” em determinado sentido. Mas só vale a pena fazê-lo de uma forma transparente. Ou seja, sob a forma de um desafio: e se, este ano/trimestre, lêssemos tal tema ou tal estilo? Como fazemos questão em que os títulos estejam disponíveis na nossa rede de bibliotecas, e dado o número de participantes, isso podemos apresentar-nos alguns condicionantes em termos de coerência programática. Mas, por vezes, há surpresas.

Ao fixar as leituras para 2017/2018 (Setembro a Junho), através da maioria de votos a partir de uma selecção prévia de cerca de 40 autores/livros, foi com grata surpresa que verificamos a preferência por autores nacionais. Os autores estrangeiros, são apenas 3, sendo dois lusófonos. E como organizar estas leituras? Da forma mais simples possível: cronologicamente. Gradualmente, um dos pontos de debate nas sessões poderá ser uma análise evolutiva de estilos e temas, percebendo as semelhanças e diferentças entra autores das sucessivas gerações. Poderá não ser a mais deslumbrante abordagem, mas ainda assim é uma abordagem válida. E com isto, quero apenas constatar que, sejam quais forem as escolhas dos nossos participantes e companheiros de leitura, é quase sempre possível encontrar uma linha orientadora entre as mesmas. 

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