Há muito que esta leitura era devida. Primeiro, iniciei-a
há cerca de 2 anos, mas interrompi. Depois, li Os Assassinatos
na Academia Brasileira de Letras, um policial em jeito de homenagem
literária a Machado de Assis e à Academia Brasileira de Letras. Pelo meio,
sempre a encontrar referências constantes à sua obra que contribuem para a
minha percepção de que Assis está para o Brasil como Camões e Pessoa estão para
Portugal.
Os dois elementos distintivos deste livro são a mestria
na utilização do humor, ora mais subtil, ora mais cáustico, mas sempre eficaz, que transformam o que poderia ser mais um drama inócuo na obra de renome que é.
O segundo é o diálogo constante com o leitor, que afasta o narrador de registo
tradicional para o coloquial do contador de histórias, que por acaso, neste
caso, é a sua.
Depois, há Capitu, personagem que, com os seus olhos oblíquos
e dissimulados de ressaca, ombreia com as grandes heroínas da literatura, como
Ana Karenina, madame Bovary, Salomé, entre outras. Uma personagem que aos 14
anos é já mulher, ciente do seu papel na sociedade mas, sobretudo, ciente das
suas possibilidades. Não necessariamente uma mulher calculista, mas pragmática
ao ponto de saber que a(s) possibilidade(s) de um bom casamento, sendo parca(s), não
pode descartar a mais óbvia e igualmente a mais simples: Bentinho. O juntar o útil
ao agradável.
Já Bentinho é um menino ingénuo e imaturo e continuará a
sê-lo mesmo na idade adulta, dependendo sempre da orientação da mãe, da família,
de Capitu e de Escobar na resolução dos seus problemas e desafios. Até ao
momento em que o desafio e a desconfiança vêm exactamente destes dois últimos e
se materializa nas parecença física de Ezequiel, seu filho, com o seu melhor
amigo Escobar. Mas será Capitu realmente adultera ou Bentinho apenas homem
insuficiente, deixando que a dúvida o mine por completo. Certo é que Capitu é mais mulher
do que Bentinho será homem e perante o confronto não cede nem hesita um milímetro
que seja perante a desconfiança (como sempre). E o que faz Bentinho com isso? É
incapaz de aceitar a putativa traição e impõe a separação, renegando todos os
anos de felicidade, todo o orgulho (e vantagem) nas capacidades domésticas e de
gestão de Capitu, e todo o amor de Ezequiel, incapaz de compreender a
separação. Desde modo, vota todos a uma eventual infelicidade, embora o
afastamento não lhe permite sequer nem demonstrar qualquer interesse ou sequer saber da eventual
felicidade dos outros.
Esta acaba por ser uma história intemporal: a do homem
que, consumido pelo ciúme, é incapaz de a falha no outro ou como se ele fosse um ser superior e que qualquer falha perante ele tenha de ser punida. E, tal como na vida, todos os
personagens acabam por morrer, e tal como na vida, poderiam ter sido felizes
até que a morte os separasse, se soubessem a arte do perdão e da aceitação.
P.S. No entusiasmo de
escrever esta minha compreensão pessoal sobre esta obra, sobre a qual haveria,
com certeza, muito mais a escrever, não posso deixar de agradecer as palavras
trocadas com Sandra Raposo Tenório e Teresa Alves Martins, cujas opiniões são
em muito consonantes.
Editora: BYs (Leya) | Local: Alfragide |
Edição/Ano: 2ª, Set 2013 | Impressão: BlackPrint | Págs.: 318 | Capa: Rui
Garrido | ISBN: 978-989-660-235-2 | DL: 351481/12 | Localização: BLX COR
ROM ROM-EST ASS (80356414)
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