“… a vida não tem argumento porque não tem costume, a
vida é quase sempre muito desacostumada e monótona, a lógica do argumento
decorre por caminho diferente da sua rijeza ou da sua desabilidade.” (p. 35)
Tal como à vida, a lógica
(cronológica) deste livro escapa-nos. Intencionalmente. E se o torna um objecto
de leitura complexa, também o torna catalisador de diversas reflexões. Tantas
que dificilmente daremos conta, em tão curto espaço e com tão parca capacidade.
Por onde começar? Talvez
pelo descalabro. Porque tudo é finito e a finitude não termina em apogeu. Termina
após longa e apurada decomposição, e qualquer tentativa de fazer o registo para
memória futura é inglório e “o mais prudente é procurar suportes ignóbeis e
humilíssimos, suportes que não resistam à passagem do tempo.” (p. 69) Daí que o
único suporte para o descalabro e para o excremento sejam rolos de papel
higiénico.
E quem fará esse registo? Uma
mulher ou as várias mulheres que é numa única vida? “… estes papéis estão a ser
escritos por várias pessoas e são três, pelo menos, três mulheres, que falam na
primeira pessoa quando lhes convém, eu sou apenas uma mulher amargurada porque
tudo lhe saiu mal nesta vida, (.), não passo de uma mulher doente que vai indo
para velha e que não consegue aguentar a solidão, … (p.49) Mulher(es) que no
limbo ou no purgatório são interrogadas e julgadas por si, pelos pares, pela
sociedade. E talvez seja esse julgamento em vida que evitam e talvez por isso a
história ds mulheres seja quase inexistente, porque “Insisto em dizer-lhe, seu
leitor estúpido, que nós, as mulheres, vulgares, temos uma história natural
como as algas e os líquenes, …, mas não temos história sagrada…” (p. 49)
E no fundo o que são os
homens e mulheres que se cruzam nestas páginas anacrónicas? são apenas “ a quinta-essência
do pó mortal em que todos acabaremos por nos converter, não é possível que o
homem e a mulher tenham sido criados por Deus à sua imagem e semelhança, Deus
não permite tal cúmulo de imperfeições, seria ir contra a sua própria essência,
a infinitude de Deus não alberga os erros infinitos, os erros que começam antes
e acabarão depois do homem ter desaparecido, mas que têm principio e fim e, por
conseguinte, não são infinitos.” (p. 14)
Título Original: La cruz de San Andrés | Tradução: José Carlos González
| Editora: Diário de Noticias / Bibliotex Editor| Edição/Ano: 2003 | Impressão:
Printer Portuguesa | Págs.: 158 | ISBN: 84-8130-564-2 | DL: B. 8864-2003|
Localização: BECCE 82-31/CEL (80378983)
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