As vozes de Clarice

Observando uma breve biografia de Clarice Lispector, percebemos que esta mulher complexa e enigmática dificilmente poderia ser de outra forma. Obrigada, por diversas vicissitudes, a reinventar-se, de modo a sobreviver e a adaptar-se a diferentes contextos, a sua escrita, que primeiro se estranha e depois se entranha, nunca nos deixa indiferente. Seja pelo estilo paradoxal, seja pelas suas personagens, maioritariamente femininas, que tentam corresponder ou interpretar um papel com o qual nunca existe uma identificação, nem um desprendimento total. São como cobra que ao mudar de pele, durante um indeterminado período, carrega em si a pele antiga ainda presa e que nem deixa perceber a nova. Que transmutações se terão operado nesta mulher, cuja escrita simultaneamente nos atraí e repele, mas sempre deixa lastro. E cuja única certeza é que qualquer compreensão será sempre parcial, sempre superficial, nunca indiferente, porque de algum modo consegue atingir um qualquer ponto no nosso âmago. Não, a sua escrita nunca poderia ser simples, nem óbvia. Ela é nascida de várias coexistindo num único corpo, vozes diversas lutando por emergir, para se ouvir, para se existir. 

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