Um recente
desafio profissional levou-me à leitura da obra de Nuno Camarneiro. Dessa leitura
saltou-me à vista algumas características que demorei a conseguir sintetizar
numa expressão ou palavra. E, ainda assim, não me parece a mais adequada,
apenas a que, na minha insuficiência leitora, mais se aproxima. A palavra é
rigor.
Primeiro,
há um rigor formal. Atenção, não confundir com rigidez. Não. O rigor passa pelo
respeito inequívoco pela opção formal escolhida para cada narrativa, seja o
hotel de Se eu fosse chão, seja o prédio de Debaixo de Algum Céu. E esta breve
reflexão centra-se apenas nestes dois textos.
O que
me chamou a atenção foi como nestes dois textos as estruturas físicas dos edifícios
são o elemento organizador da prosa, num rigor de fazer inveja a muitos
engenheiros e arquitectos. O que advém, provavelmente, da formação cientifica
do autor.
Há uma
construção – diria que uma grelha de contornos bem definidos – que o autor vai
recheando de pormenores e histórias vividos por personagens, na sua maioria
quotidianas, com as quais é fácil identificarmos-nos. E embora possamos pensar
que, ao definir a priori as características
das células dessa grelha, o seu resultado seja monótono, desenganemos-nos.
Deixem-me
tornar-vos mais explicita esta minha leitura. Este é o modo como visualizo as
duas narrativas:
Hotel Avenida Palace
(Se eu fosse Chão)
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Área de Serviço
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Átrio / Recepção
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(Debaixo de) Algum céu
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Horizonte
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3º Esq.
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3º Dtº
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2º Esq.
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2º Dtº
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1º Esq.
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1º Dtº
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Mar
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R/c
Esq.
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R/c Dtº
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Praia
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c/v
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c/v
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A partir
desta organização formal, o autor – como já afirmei – recheia cada célula destas
grelhas com personagens que pretendem comprovar premissas muito especificas
que o autor nos apresenta no início de cada narrativa. Cá está, mais uma vez, o
rigor cientifico como matriz subjacente. E quais são essas premissas?
“Uma
história são pessoas num lugar por algum tempo. (…) Pode contar-se uma história
enchendo uma caixa vazia ou desenhando paredes à volta de gente.
Esta
é uma história de portas dentro.” (Debaixo de Algum céu)
“Um
quarto fechado é sempre uma história por contar, enquanto não o abrirem, cada
um há-de ter a sua.” (Se eu fosse chão)
Se as
premissas se verificam no final da observação, cabe ao leitor a sua avaliação. Já
ao(s) narrador(es) cabe a presentação, o mais fiel possível, daquilo que lhes é
dado ver, sem, no entanto, interferir no que observa. Idealmente. Porque também
aos personagens é dada voz. Uma voz testemunha, uma voz que nos permite
perceber um pouco mais a personagem que nos é apresentada. Apenas um pouco. O suficiente
para que se corporizem na nossa mente. Para que deixem de ser linhas e passem a
entidades reais.
A conclusão
a que chego é que a obra de Nuno Camarneiro é dotada de diversas camadas. Algumas
de fácil identificação, outras que percebemos existir, mas que não conseguimos
apreender o alcance. Por isso, é uma obra que se presta a várias (re)leituras. Por
agora, fica esta.
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