Tenho
seguido, a destempos, alguns episódios do Curso de cultura Geral da
autoria de Anabela Mota Ribeiro, em que esta desafia os seus
convidados a partilharem 10 experiências culturais que tenham sido
transformadoras no seu percurso pessoal. Tal fez-me reflectir nas
minhas experiências e ponderar no modo como as mesmas me impactaram.
Algumas dessas transformações fora-me óbvias no momento e não é
à toa que acompanham os meus tops há tanto tempo quanto me dou ao
trabalho e à ingenuidade de os fazer. Mas hoje, mais do que refazer
o(s) top(s), interessa-me os conceitos e/ou sentimentos subjacentes
aos mesmos. E a minha síntese – actual – é a seguinte:
-
o silêncio. Conseguir captá-lo e torná-lo um elemento tão
forte na narrativa e capaz de transportar consigo tudo o que um
personagem não consegue pronunciar foi o que me fascinou em duas das
minhas primeiras paixões artísticas, Le Gran Bleu de Luc Besson
e Loucos por amor de Sam Shepard.
-
educação pela arte / educação não formal. Estas duas
expressões são relativamente recentes no meu percurso profissional,
mas parecem-me ser suficientemente abrangentes para abarcar tudo o
que aprendi nas páginas do extinto Se7e e nos filmes que a
partir de 1986/8 – não consigo precisar o ano, mas consigo balizar
entre estes 2 - passaram a ser consumidos em catadupa lá em casa,
após a entrada no burgo familiar de um leitor de VHS.
-
para lá do óbvio. É assim que hoje classifico a
característica que me atrai em alguns dos actores que descobri a
partir desse momento, sendo que a minha grande paixão, e agora um
amor de longa data, Willem Dafoe é a sua epitome. Há vários
outros, felizmente há vários outros cuja carreira, personagens e
interpretações são para lá de óbvias.
-
a transposição do eu como forma de tentar compreender o mundo.
É talvez o resumo de toda a arte. E talvez a única forma de
compreendermos o que nos rodeia seja percebendo como é que os
acontecimentos – históricos ou pessoais - nos afectam como
indivíduos e ganhando essa consciência sejamos capazes de ver o
outro e compreende-lo e aceita-lo na sua própria caminhada.
Compreender-nos para aceitar os outros, pode não ser a leitura que
os demais fazem da pintura de Frida Kahlo, mas – na minha
ignorância da sua vida – ao observar os detalhes de alguns dos
seus trabalhos penso que, infelizmente, os nossos lutos podem ser
belíssimas e introspetivas formas de arte.
-
a liberdade do individuo como uma batalha sempre premente e
continua. Não sendo dois livros iguais, seja pelo registo, seja
pela intenção, na minha mente é a eles que recorro quando me sinto
encurralada pelas engrenagens do quotidiano. Se isto é um homem
de Primo Levi leva-me, claro, a relativizar tudo. A sua leitura
não nos deixa indiferentes. De que nos podemos afinal queixar se há
uma experiência humana como a do holocausto. Mas não é apenas o
queixar são as pequenas formas de no dia a dia sem futuro ainda
desafiar a desumanização sistematizada e intencional. E é esta
indução sistematizada e intencional naquilo que de mais pode ser
único e individual no ser humano, o espaço dos seus sonhos, que
Ismail Kadaré alegoriza no seu Palácio dos sonhos,
mas que sentimos não estar longe da nossa percepção do nosso
quotidiano comunicacional.
-
e ainda... e terá sempre de haver espaço para o que há-de
vir. Porque, mal de mim, se não tornasse a ser surpreendida.
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