A Gorda, Isabela Figueiredo

Não é vulgar a existência de protagonistas assumidamente gordas. Algumas anafadas, rechonchudas, com curvas abundantes e generosas. Mas gordas é raro e há que aproveitar para conhecer um pouco o seu universo. Ou para perceber quais as semelhanças e diferenças entre o seu universo e o das ditas anafadas, rechonchudas ou - pelo politicamente correto - com excesso de peso.
A este condicionamento físico, acresce que esta personagem é filha única e tardia de um casal que se vê obrigado a retornar de Moçambique e a estabelecer-se num bairro na Outra Banda. Através de Maria Luísa e da sua casa, a autora reflete sobre vários aspetos da sociedade e da vida intima das famílias. Aliás, mais do que a invulgaridade da personagem, o mais interessante é mesmo como a autora nos apresenta o seu mundo: através das diversas divisões da casa, e das suas funções, como metáfora para o modo como nos relacionamos com o mundo. Assim, no quarto explora-se o amor e a sua relação com David, eterno amado e quase sempre ausente, na sala a vinda de África e a adaptação, no quarto dos pais a relação com o pai, na sala de jantar a enormidade da personagem da mãe, no hall os outros externos à unidade familiar, na cozinha a comida e o avolumar do corpo e consequente cirurgia. Este é exactamente o início do romance, a exploração da temática que dá titulo ao livro. No entanto, a determinado momento, após um relato da primeira fase da convalescença da personagem, o tema perde-se. Desaparece, como se se tornasse uma não questão. Será?
A autora explora o retorno, de que já tínhamos a visão do jovem Mário de Dulce Maria Cardoso e do impacto da geração seguinte com Bruno Vieira Amaral, acrescentando-lhe uma visão feminina, seja de Luísa, seja da sua mãe. O modo como cada uma - mãe e filha -, em idades e experiências de regresso diferentes, se adaptam a uma nova realidade, incluindo ou apagando o passado dentro do possível, é uma dialética interessante.
Aliás, a grande dinâmica entre personagens é sempre entre as duas. É entre elas que surgem os grandes conflitos. É através da mamã que sente as principais pressões sociais, não só relativas ao seu peso, mas também o que é esperado que, enquanto filha única e mulher, seja o amparo dos pais. E é através da filha que sentimos as expectativas de uma geração a quem é permitido sonhar para além da família nuclear, mas cujo núcleo familiar não sabe agir perante o mais além.
Quanto ao final, é coerente com a personagem, no entanto, enquanto leitora, é insatisfatório. Mas provavelmente é sempre assim, as ilusões são sempre insatisfatórias e Luísa não deixa de ser ainda a idealista que marcou a sua adolescência e a sua visão do mundo.
Editora: Caminho | Local: Lisboa | Edição/Ano: 3ª, Abr 2017 | Impressão: Guide | Págs.: 285 | Capa: Rui Garrido | ISBN: 978-972-21-2833-9 | DL: 425671/17 | Localização: BLX PF 82P31/FIG (80400309)

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