Esta
foi uma nova leitura deste livro que, em 2014, me deixou, sobretudo, as
seguintes impressões:
Através de 3 gerações de homens da
família Mendes, acompanhamos a história do pais, nomeadamente o Estado Novo, a
Guerra colonial e o pós 25 de Abril. Sendo um relato no masculino, são
característicos os episódios violentos. (in https://poeiraresidual.blogspot.com/2014/04/o-teu-rosto-sera-o-ultimo-joao-ricardo.html)
Mas
esta nova leitura trouxe uma percepção e uma interpretação diferentes. A
história da família Mendes e o seu retrato de uma certa portugalidade poderá
não ser o mais relevante. Mas o que será relevante? Também não ficamos a saber.
Porquê? A família Mendes é uma imagem que não nos permite ver as outras
histórias anónimas que decorrem no mundo. Por vezes, há vislumbres através do
biombo, porque o narrador nos dá, como migalhas, as outras histórias que se
cruzam com a desta família. Histórias aparentemente dispersas e desconexas que
nos levam a passados e actores aparentemente inconciliáveis. Demonstração da
teoria dos seis graus de separação? É possível. Foi um conceito que me
acompanhou sempre nesta nova leitura.
Esta
nova leitura também foi impregnada pelas minhas leituras quase paralelas de
Carmen Laforet (Nada Parte I e Parte II e A Ilha e os Demónios), não por
qualquer parecença, mas pelo contraste entre as duas narrativas. Ou melhor
dizendo, pelo modo como, apesar dos contrastes das duas estruturas narrativas,
esta parece ser uma materialização de algumas das reflexões das narradoras de
Laforet quanto à diferença entre vida e literatura. Ambas constatam
recorrentemente que literatura e a vida se organizam de modo diferente e que a
primeira nos oferece princípio, meio e fim, permitindo conclusões e encerrar
ciclos, enquanto a vida só tem fim com a morte e sempre perdura nos
sobreviventes. Ora, na narrativa de JRP não há a sensação de princípio, meio e
fim, de conclusão, de um ciclo que se encerra e dá sentido a uma experiência. Há
histórias que se cruzam, cujo sentido não atingimos por completo, nem da sua
pertinência na história-biombo da família Mendes. São relatos surreais, tão
surreais quanto as pinturas de Bruegel e o gato Joseph. Mas, a verdade é que há
histórias que existem, não se explicam e muito menos se compreendem.
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