Sinais de Fogo, Jorge de Sena


Devo confessar que desconhecia por completo o conteúdo deste livro, à excepção de que haveria um protagonista masculino jovem, noção que tinha do cartaz do filme homónimo de 1994, com Diogo Infante nesse papel. Tudo o resto era uma incógnita.
Esta leitura conquistou-me logo de inicio graças à inusitada personagem Puigmal, cujas idiossincrasias o tornavam um expectável protagonista. No entanto, o autor troca-nos as voltas e na parte II (de cinco), confere o protagonismo ao jovem Jorge, até aí relegado ao papel de narrador. O cenário – que será igualmente palco das duas próximas partes – é agora uma Figueira da Foz estival, onde se encontram as famílias e os jovens de uma certa classe média ou burguesa nacional.
Com o pano de fundo do despoletar da Guerra Civil espanhola, estes jovens vão pôr à prova os seus ideais e valores políticos, sociais e amorosos de forma inolvidável e irreversível. Se a trama se passasse em décadas mais recentes, poderíamos de algum modo atribuir-lhe a máxima sexo, drogas e rock&roll. Mas, decorrendo na década de '30 do século passado, a máxima mais adequada será sexo, política e filosofia. Todo o romance é pontuado por diversas cenas de sexo, incluindo duas orgias, muitas discussões – entre personagens - sobre política no senso geral, governação, ideais e níveis de acção consoante crenças e noção de perigo para a perda liberdade ou até, e ainda, a sua conquista. Para o narrador, fica a função de reflexão filosófica, brindado-nos com inúmeros “solilóquios”, sobre temas como amor, desejo, sexo, casamento e relações em geral.
Inesperadamente, na V e última parte, o autor oferece-nos outra revira-volta, não ao trazer o seu protagonista de novo para Lisboa, mas ao torná-lo poeta. “Ali estava eu, para todos os efeitos transformado em poeta, por obra e graça...” (p. 604) O próprio autor tem noção de que esta solução narrativa, embora com alguns episódios que nos poderiam remeter nesse sentido, é um pouco metida a talho de foice. E é o aspecto em que possivelmente se pode a identificar o trabalho inacabado do autor relativamente a este livro que foi publicado postumamente, sem a sua revisão final.
É uma obra densa, que nos oferece diversas camadas de interesse e análise. O autor doseia a reflexão filosófica, o debate político com inúmeras peripécias – por vezes inverosímeis - que tornam a leitura aliciante e nos impelem a continuar. Tal como o narrador nos explica: “A vida realmente apostara em pôr-me à prova: não havia sucessão absurda de acontecimentos trágicos, ou grotescos, equívocos, ou puros, insignificantes, ou incompreensíveis à força do significado, que ela não pusesse no meu caminho.” (p. 619) É uma leitura que requer tempo, mas é uma leitura que vale bem o tempo investido.
Editora: Livros do Brasil| Coleção Miniatura | Edição/Ano: jun 2017 | Local: Porto | Impressão: Bloco Gráfico | Págs.: 632 | ISBN: 978-972-38-3006-4 | D.L.: 425599/17 |Localização: BLX OR ROM ROM-POR SEN (80421565)

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