Retalhos da Vida de um Médico, Fernando Namora


A minha primeira referência a esta obra é uma memória de infância muito parcial. É a memória de histórias de tristeza, dor e impotência sublimada pelo tom trágico e grave da voz de Carlos do Carmo. É uma das minhas primeiras referências televisivas que só muito mais tarde soube terem génese nesta obra de Fernando Namora. Mas só agora me dediquei à sua leitura.
A minha primeira impressão é de que a letra de Ary dos Santos e a voz de Carlos do Carmo são uma justa homenagem e leitura da obra. Contêm todo o drama e tragédia de vidas pobres sem mais esperança ou certezas de que, salvo pela morte, todos os dias são iguais e trazem a mesma escravidão da terra e da inexistência de um futuro para além da dor e do sofrimento.
A escrita de Namora é crua e seca, como o são as geografias e as condições inóspitas para as quais o autor no transporta. A miséria humana que se faz da falta de educação, de higiene, de saúde, de perspectiva são retratadas sem panos quentes. É duro voltarmos a um país de sobrevivência. É duro saber que não foi há tanto tempo assim. É duro saber que não está tão longe assim.
Um dos aspectos que ressaltam é observância do autor, do médico quanto à falta de cuidados de saúde materna e infantil. Numa sociedade em que os supostos provedores eram os homens, mulheres e crianças eram muitas vezes deixados ao acaso, ao voluntarismo e à pressão de outras mulheres. Como alguém me observou, este era o país antes da implementação do SNS (Serviço Nacional de Saúde) e é muito importante pensarmos na sua importância ao longo das últimas 40 décadas, ainda que de imperfeição do mesmo. Que pais ainda seriamos sem a sua criação? Que país queremos ser se continuamos a assistir passivamente à sua lapidação? É uma questão da ordem do dia e é interessante observá-la a partir das palavras de Fernando Namora.
Este é um livro datado. Sim. Mas é um documento a que importa voltar recorrentemente, porque é um registo de um Portugal a que, para todos os efeitos, não queremos regressar. E a leitura tem esta versatilidade de, como fantasma do passado, nos alertar para os perigos do futuro. Estejamos atentos, então.
Editora: Publicações Europa-América | Local: MM | Edição/Ano: 26ª , fev 2000 | Impressão: Gráfica Europam, Lda. | Págs.: 200 | Capa: estúdios PEA | ISBN:  972-1-02890-8 | DL: 146424/00 | Localização: BLX BECCE 82P-34/NAM (80378949)

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