Já não sei há quantos anos não lia uma obra de
Saramago. Porquê? Por um lado, pela minha minha assumida dificuldade
em voltar aos autores do meu percurso académico, por outro, pela
presunção de que o seu estilo já não tinha muito a oferecer-me. É
claro que esta presunção, como todas, é parva. Porque foi
simultaneamente reconfortante e aliciante voltar à escrita de
Saramago.
A leitura das primeiras páginas custou um pouco,
sobretudo pela mancha gráfica. Depois, envolvi-me na história e
deixei-me encantar pelo modo como subtilmente (ou não) o autor faz a
sua observação crítica da sociedade e e pelo seu uso da abstração
como forma de chegar ao ponto crucial das situações e, claro, do
seu ridículo ou desumano. Tudo num traço de humor que não
recordava.
Nesta obra, o autor leva-nos a algumas reflexões
sobre identidade individual e o modo como esta é vista pelos estados
e instituições, bem como pelo modo como enquanto indivíduos
olhamos (ou não) uns para os outros. O que é um nome? Como é que
este nos define, se é muitas vezes a primeira dádiva familiar e o
modo como nos apresentamos perante o outro? E para que serve um nome
perante o estado e as instituições, para os quais somos apenas nº
e dados estatísticos? Qual é a vida do individuo para além desses
dados e onde é que esta se inscreve? Que memória fica do individuo
e da sua passagem por este mundo? O que é uma biografia? Quando é
que olhamos para outro? Que anomalia nos faz olhar o outro? Em que
rotinas inserimos o outro? Em que nesga do quotidiano é que o
individuo realmente vive? Que vida é possível entre as rotinas e
expectativas sociais? Para que servem as instituições, se não
servem o individuo? …
São tantas as questões que o autor nos coloca
que é complexo eleger uma. E este é um dos traços de mestria de
Saramago, gostemos ou não do seu estilo de escrito. Indaga-nos e
deixa-nos desconfortáveis. Obriga-nos a olhar o outro. E é esta
característica que não lembrava, ou não tive maturidade de
perceber na altura, que me fará regressar em breve à sua escrita.
Voltem comigo, se for caso disso.
Editora:
Caminho| Edição/Ano: 9ª, mar 2007 | Local: LX | Impressão: SIG |
Págs.: 279 | ISBN: 978-972-21-1137-9 | D.L.: 113936/97 |Localização:
Pax
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