Todos os nomes, José Saramago


Já não sei há quantos anos não lia uma obra de Saramago. Porquê? Por um lado, pela minha minha assumida dificuldade em voltar aos autores do meu percurso académico, por outro, pela presunção de que o seu estilo já não tinha muito a oferecer-me. É claro que esta presunção, como todas, é parva. Porque foi simultaneamente reconfortante e aliciante voltar à escrita de Saramago.
A leitura das primeiras páginas custou um pouco, sobretudo pela mancha gráfica. Depois, envolvi-me na história e deixei-me encantar pelo modo como subtilmente (ou não) o autor faz a sua observação crítica da sociedade e e pelo seu uso da abstração como forma de chegar ao ponto crucial das situações e, claro, do seu ridículo ou desumano. Tudo num traço de humor que não recordava.
Nesta obra, o autor leva-nos a algumas reflexões sobre identidade individual e o modo como esta é vista pelos estados e instituições, bem como pelo modo como enquanto indivíduos olhamos (ou não) uns para os outros. O que é um nome? Como é que este nos define, se é muitas vezes a primeira dádiva familiar e o modo como nos apresentamos perante o outro? E para que serve um nome perante o estado e as instituições, para os quais somos apenas nº e dados estatísticos? Qual é a vida do individuo para além desses dados e onde é que esta se inscreve? Que memória fica do individuo e da sua passagem por este mundo? O que é uma biografia? Quando é que olhamos para outro? Que anomalia nos faz olhar o outro? Em que rotinas inserimos o outro? Em que nesga do quotidiano é que o individuo realmente vive? Que vida é possível entre as rotinas e expectativas sociais? Para que servem as instituições, se não servem o individuo? …
São tantas as questões que o autor nos coloca que é complexo eleger uma. E este é um dos traços de mestria de Saramago, gostemos ou não do seu estilo de escrito. Indaga-nos e deixa-nos desconfortáveis. Obriga-nos a olhar o outro. E é esta característica que não lembrava, ou não tive maturidade de perceber na altura, que me fará regressar em breve à sua escrita. Voltem comigo, se for caso disso.
Editora: Caminho| Edição/Ano: 9ª, mar 2007 | Local: LX | Impressão: SIG | Págs.: 279 | ISBN: 978-972-21-1137-9 | D.L.: 113936/97 |Localização: Pax

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