Do desconfinamento VIII | O insustentável apagamento da história

Após semanas de tratamento mediático único e exclusivo dos números da pandemia, começamos novamente a registar o mundo que continuou com as suas injustiças, incoerências e desgraças. Uma delas é o outro, especialmente quando tem um tom de pele diferente e é alvo de sistémico e endémico de medo, desconfiança e depreciação. Não nos enganemos. Tudo isto existe, não é apenas fado e merece outras linhas. Lá chegarei.
A cada perda, a cada conquista, a cada passo reescrevemos a história. Seja pessoal, institucional ou social. Faz parte da transformação e (quero acreditar) da evolução porque passamos, enquanto indivíduos e sociedade. Mas há algo em que não podemos cair em tentação: apagar a história. Como se ao apagar a existência pudéssemos apagar igualmente o sofrimento e viver um presente ou um futuro isentos de novas dores.
Apagar o passado e o seu sofrimento só nos leva a cair nas mesmas armadilhas e em novo sofrimento. Queremos mesmo cair neste ciclo vicioso? Cometer os mesmos erros? Reincidir?
Assusta-me que não saibamos olhar para o passado e aprender com os seus erros. Os erros não se apagam, corrigem-se. Não reincidimos, transformamos-nos. Também é um processo doloroso e difícil, certo. E imperfeito, sim. Mas tornar o passado impoluto não nos faz mais perfeitos, condena-nos à repetição indefinida dos mesmos erros. Das mesmas imperfeições. Mas é a noção dessa imperfeição que nos motiva a continuar e a procurar corrigir e a melhorar.
Não defendo o passado, nem sou tradicionalista. Mas aceito a sua existência e procuro fazer a minha parte para escrever um novo presente e um novo futuro. Não somente com palavras, mas também com acções. Por vezes pequenas, quase mínimas e imperceptíveis. Gostaria que fossem mais impactantes, mas do pouco e do pequeno se faz grande. A cada dia, a cada hora. Sem apagar a memória, para não voltar repetir o passado.

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