Do desconfinamento IX | Cerimónias e simbolismo

Todos os jornais televisivos destes dias apontavam que “este ano, as cerimónias … são simbólicas”. Este ano e todos os outros, porque todas as cerimónias são simbólicas. A diferença é que este ano têm uma participação reduzida, seja pelos participantes oficiais, seja nos espectadores.

O que está a fazer muita confusão é essa participação reduzida. Ao serem reduzidas à sua essência, ao mínimo protocolar obrigatório, muitos dos seus participantes viram-se excluídos. Logo, o seu estatuto passou de relevante a dispensável. E isso mexe com a percepção que temos do nosso lugar na sociedade, não mexe?

Ora, qualquer cerimónia é simbólica. É uma celebração de um momento relevante do passado ou a manifestação pública de algo conquistado. Seja como for, é um momento de demonstração perante o outro ou perante a sociedade. É um momento de demonstração de um determinado estatuto. Todos querem ser participantes directos ou indirectos. Senão os celebrados, pelo menos testemunhas da celebração. Quando em eventos desportivos assistimos à cerimónia da entrega de medalhas ou taças, na verdade o evento ou a prova já foi ganho no exacto momento em que a meta foi ultrapassada ou o apito final sonido. Agora, é o momento da festa, da celebração, da confirmação perante todos da superioridade perante os demais. Do atleta x perante o atleta y, e o testemunho do acontecimento é igualmente relevante, pois coloca o espectador num nível superior aos que não tiveram essa oportunidade. E não é muito diferente noutro tipo de cerimónias. Num casamento, muitas das vezes já seu deu o acto civil, sem grandes testemunhas e sem glamour. Sem demonstração do novo estatuto social dos casados e – quantas, quantas vezes – do estatuto socioeconómico das famílias envolvidas.

Qual o simbolismo de cada cerimónia? Depende do que pretende assinalar e da tradição cultural assinalada, bem como a instituição em que se insere. Mas há de tudo: a medalha, o anel, a hóstia, a bandeira, a salva, o lenço, a insígnia, o avental, o uniforme, um qualquer objecto convencionado que represente o desejado…

Com as cerimónias deste ano a serem reduzidas à sua essência terão talvez o incremento de demonstrar o que realmente se celebra, sem demonstrações exteriores e fúteis, para consumo e demonstração única de estatuto. E lá está, com muitos, muitos excluídos e dispensáveis.  

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