Do desconfinamento VII | Sindrome do stress do sobrevivente pós COVID

Que vamos ficar (todos) bem, não duvido. Mas de que estejamos bem, já tenho as minhas dúvidas. Começando por mim. Sinto-me tão dividida entre diferentes patologias que (desculpem os especialista, apenas conheço superficialmente) que não há bipolaridade tradicionalmente atribuida a um nativo de gémeos que me alivie o tumulto mental deste período. E creio não ser a única a sentir-se assim. Ora vejamos.

Síndrome de Estocolmo / COVID – Estivemos condicionados durante várias semanas sempre sobre um discurso de que – para nosso bem e dos nossos – deveríamos permanecer confinados. Adaptamo-nos e agora a ideia de sair – ainda que com outros condicionamentos – parece estranha e até de uma certa violência. O COVID tornou-se o nosso reality show em que seguíamos diariamente os dados de quem era ou não expulso deste mundo e quem ainda estava soba avaliação atenta. O COVID passou a ser o modelador da nossa relação com o mundo. Então, enquanto nos inibe e proíbe uma relação directa, no fundo acreditamos que é por amor que nos protege. Ainda descobrimos que o COVID afinal é nosso amigo: fez-nos reavaliar prioridades, a dar mais atenção à natureza e aos nossos gestos. Sim vai ser difícil dizer adeus ao COVID. (Até repetimos o seu nome, tal como fazemos com alguém de quem gostamos.)

Stress pós-Traumático – Fomos violentados – de forma pouco subtil e não física – no nosso quotidiano e nos nossos afectos. Deixamos de usufruir, partilhar e viver determinadas experiências e passamos a ser policiados e a policiar. Porque fomos agredidos ao ver a nossa vida condicionada e agora continuamos a sentir essa agressão a qualquer gesto, imprudência, inconsciência ou incumprimento do outro. Ficámos traumatizados com o clima de medo a que fomos submetidos e não é raro sentirmos-nos agredidos por quase nada ou por incoerências em toda a parte.

Síndrome de sobrevivente – e quando no meio das consequências directas e colaterais nos sabem e nos sabemos privilegiados, parece que não podemos reclamar ou até sentir desconforto, estranheza ou dificuldade de adaptação. Afinal, não te falta comida na mesa, tens um tecto, tiveste oportunidade de estar em tele-trabalho. Ficaste em segurança e queixaste do quê?

Sim, a vida ensina-nos que tudo a seu tempo se reorganiza e estabiliza. Como dizem os antigos, entre mortos e feridos, algum há-de escapar. E sim, todos, de uma forma ou de outra, nos reerguemos. Mas por ora, permitam-nos muito sinceramente dizer: sim, estamos desorientados e não, ainda não estamos bem.


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