Do desconfinamento XI | Teoria, prática, custo e afectos

Ainda estamos a aprender a viver com algo que veio para ficar e cujas flutuações são incompreendidas e que requer reacções desconhecidas. Muito se tem dito sobre como combater a pandemia. Muitas teorias, todas com custos e consequências brutais para o nosso modo de vida.

Na teoria, talvez a estratégia da imunidade de grupo fosse a melhor. A protecção excessiva debilita o sistema imunitário e a exposição provoca a criação de anti-corpos. Na prática, e até se atingir o nível de imunidade de grupo desejável, perder-se-iam muitas vidas pelo caminho. Enquanto fossem vidas alheias, podíamos ser empáticos com a tristeza. Mas a probabilidade dizia-nos logo que não escaparíamos incólumes à doença ou à perda de alguém. E isso é brutal. É sempre brutal quando nos toca a nós, não ?

Não querendo pagar o custo da perda excessiva de vidas, os governos arriscaram a estratégia do confinamento. Que também nos trouxe outros custos colaterais. A economia, já se sabe é um deles. Mas também no modo como nos relacionamos. Se a distância já era um problema paradoxal dos nossos tempos, agora assumiu o seu ápice. Desaprendemos o contacto físico como demonstração de afecto e a seu tempo desaprenderemos também o afecto? Receio que seja um perigo bem real. E o que seremos nós sem afecto? Qual o custo a longo prazo?

Por agora, demonstramos afecto através do seu contrário: o afastamento. E se não conseguirmos voltar atrás? Como se definirá afecto nos dicionários do futuro? Com que gramática escreveremos as nossas relações futuras?

Por outro lado, estamos a ser desafiados a olhar além de nós. Afinal, afastamos, não tanto para nos proteger, mas proteger o outro. Pelo menos eu, que não quero pagar o custo dessa perda. Cedemos a uma chantagem emocional que mudará a nossa vida enquanto sociedade para sempre, ou priorizamos a nossa sobrevivência?

Mas afinal viver não é isso: tomar uma série de decisões cujo o impacto está sempre para além de nós, mesmo quando não o desejamos, mesmo quando não o prevemos?

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