Stoner, John Williams

Este livro esteve durante muito tempo na lista de leituras a haver. Depois, porque outros objectivos e percursos de leitura ganharam primazia, acabei por deixa-lo de lado. Agora, por desafio do Clube de Leitura Próximo capítulo, finalmente cheguei à sua leitura.

Entrei um pouco céptica nesta leitura que tem como contexto o mundo académico. Tenho sempre muitas reticências com este tema, porque muito frequentemente descambam numa necessidade narcisística ou de elevação profissional do autor expor a suas teses académicas. E um romance não é uma tese. Pode até ser a demonstração de uma, mas não a sua exposição ou transposição. Nós leitores não somos alunos, não pertencemos a esse meio. Gostamos de aprender, de saber mais sobre certas áreas e a literatura abre-nos essas portas, mas a literatura é uma outra coisa.

Iniciei então com receio e fui avançando tão diligente e resilientemente quanto o texto nos é apresentado. E sim fui percebendo o que faz dele um grande livro e sobretudo porque tem de ser descoberto através da leitura e não através do que se lê sobre ele. É que isso não chega ao âmago nem à dinâmica. E o exemplo é que se me regesse apenas pela leitura do posfácio (sim, eu sei que é suposto ler só no fim, mas o que querem às vezes leio primeiro os finais), não me tinha convencido. Então, o mais provável é que tudo o que vos diga sobre o mesmo seja igualmente insuficiente. É-o com toda a certeza.

Stoner. É o apelido do protagonista, William stoner. Professor académico. Casado. Pai de uma filha. Na verdade, nada mais. Na verdade, o casamento sempre foi um falhanço impossível de desfazer e a paternidade foi esboroada pelo falhanço no casamento. Isto faz dele um marginal. Não um criminoso, mas um marginal. Porque a sua vida, o seu sentido de vida se cumpre na sua acção de professor. Sem outras ambições, sem outros interesses de relevo. O que o torna diferente, incompreendido e até incómodo. Stoner não serve nem cumpre as medidas de ninguém. Cumpre a sua missão com dedicação, método e empenho.

Filho de agricultores, vai para a faculdade para frequentar um curso técnico de agronomia. A frequência de uma cadeira obrigatória de Literatura Inglesa transforma-o e leva-o a mudar de curso e a encetar uma carreira académica. Ao longo de 40 anos procurar recriar nos seus alunos a mesma transformação que sofreu. Simultaneamente, casa com uma jovem tão impreparada para o passo como ele e passam uma vida de desencontros em comum. Têm uma filha que acentua a separação e cujo amor é utilizado como arma por parte da mulher. Stoner sofre em silêncio e abstrai-se de tudo através da profissão. Nesta constam apenas um ódio de eleição e uma incompreensão generalizada. 40 anos depois, à beira da reforma, o corpo trai-o e consegue uma breve aceitação e compreensão familiar.

Stoner é o relato de uma vida. De uma transformação. De um amor à literatura e como esta é o único palco possível para as vidas que não conseguimos viver. Não posso dizer que seja um livro que se estranha e depois entranha. Não é isso. Mas é um livro em que gradualmente interiorizamos o amor, o fascínio, a dor e o dilema de Stoner. Compreendemo-lo e acompanhamo-lo até ao seu último suspiro. Porque todos compreendemos que a vida é o que vivemos, mesmo quando parece que passamos ao lado de tudo o que é suposto.

Título Original: Stoner (1965) | Tradução: Tânia Ganho | Revisão: Nuno Reis / Dulce Reis | Editora: D. Quixote | Local: LX | Edição/Ano: 6ª, fev 2017  | Impressão: Eigal | Págs.: 264 | Capa: Ideias com Peso | ISBN: 978-972-20-5556-7 | DL: 421286/17 | Localização: BLX PG 82-31/WIL (80395001)

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