Espião na primeira pessoa, Sam Shepard

Dos 4 livros que tinha disponíveis para iniciar uma releitura do trabalho de SS, achei que deveria começar exactamente pelo seu último trabalho, escrito enquanto perdia a batalha para a ELA. Comecei então pelo adeus…

É difícil não ver neste livro esse adeus, porque se cola ao que sabemos da doença do autor e pelo seu registo familiar. Aliás, este é talvez o mais familiar que conheço dos seus registos. Aqui a família é presente, conforto, apoio, amor e voz. Talvez o oposto de muitos dos seus trabalhos e até a sua imagem de marca: um silêncio intransponível e a incapacidade das personagens de demonstrar afecto. Aqui há uma palavra de reconhecimento por isso que é a família funcional, quase sempre ausente da sua obra.

Espião na primeira pessoa. O porquê deste título num relato em que dois homens se observam do outro lado da rua. Quem observa quem? Quem fica preso na observação? Serão realmente dois homens? Dois homens diferentes? Ou o mesmo homem que se observa num período anterior à doença e na incapacitação que a mesma provoca. O sentimento de cisão numa pessoa, que é e não é simultaneamente a mesma pessoa. Ou cujo corpo é o mesmo, mas tudo o resto que constitui a nossa identidade não, fazendo-nos uma outra pessoa. Por isso é necessário espiar, não só para perceber que é ou quem foi essa pessoa. Mas para perceber se ainda se é.

Título Original: Spy of the first person | Tradução: Salvato Telles de Menezes | Revisão: João Assis Gomes | Editora: Quetzal | Colecção: serpente emplumada | Local: LX | Edição/Ano: 1ª, ago 2018  | Impressão: Bloco Gráfico | Págs.: 101 | Capa: Rui Rodrigues  | ISBN: 978-989-722-471-3 | DL: 442902/18 | Localização: BLX PG 82-312.9/SHE (80420783)

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