O Grito da gaivota, Emmanuelle Laborit

Há muitos anos que este livro se cruza comigo no quotidiano da biblioteca. Sendo um livro editado em Portugal pela primeira vez em 2000, é bom perceber que mantém a longevidade. E porquê? Por ser um relato na primeira pessoa? Por ser a experiência de uma surda que ultrapassa um aparente obstáculo e singra numa área que não associamos a um surdo? Pela escrita? Por tudo isso e pela transversalidade que consegue transmitir. Porque ao lê-lo, acho que é a soma feliz de várias perspetivas, nem sempre óbvias.

Mais do que um registo sobre o como lidar com a surdez, retiro deste relato, um testemunho sobre imaginário infantil, educação parental, educação oficial, privilégio, adaptação, curiosidade inata, comunicação e necessidade de integração (socialização), identidade, representatividade e representação, preconceito, incompreensão, juventude, encontrar um rumo e um propósito, ultrapassar condicionantes…

A história é quase linear, a calma criança Emanuelle Laborit é ainda em tenra idade diagnosticada com surdez e cujos país, na procura do melhor para ela, seguem a ideologia médica e educativa da época em França. O que se revela desadequado para Emmanuelle, mas também para as crianças surdas. Como a mesma descreve, só aos 7 anos, quando tem contacto com a língua gestual, consegue tem consciência de sim e, como tal, uma identidade. Identidade que advém da linguagem, da capacidade para processar e exprimir pensamentos, emoções e sentimentos.

A autora manifesta a sua revolta por só muito tardiamente os governos franceses permitirem legalmente o acesso a ferramentas educativas de acordo com as necessidades da comunidade surda, e sem impor soluções mecânicas tendo em vista uma “normalização” d@ surd@, que não tem em conta a sua realidade.

A autora tem também o mérito de saber transmitir a sua experiência e de nos levar por analogias para podermos perceber a sua perspectiva. Uma delas é exactamente pelo título, aproveitando a similaridade fonética entre as palavras muette e mouette, muda e gaivota. Uma gaivota que aprende a voar, mas que para o fazer contou não só com o seu ímpeto, mas também com os vários gatos e outras gaivotas que a ajudaram a voar.

Tradução: Ângela Sarmento | Editora: Caminho | Local: LX | Edição/Ano: 2ª, jun 2000| Impressão: Tipografia Lousanense | Págs.: 207 | ISBN: 972-21-1328-3 | DL: 148811/00 | Localização: BLX PG 043483 (00406021)

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