Aprender a escrever a longo prazo

Ando há cerca de 4 meses de volta de um rascunho. Despendi cerca de dois meses e meio a escrever o primeiro rascunho manuscrito (adoro escrever à mão) e estou há cerca de mês e meio a digita-lo, enquanto faço uma primeira edição superficial, onde estou, sobretudo, a alinhar a cronologia dos episódios.

Nunca me tinha dedicado tanto tempo a um único rascunho, sabendo de antemão que ainda me vou debruçar sobre ele, pelo menos, nos próximos dois meses. Hoje, estou a fazer um hiato neste processo e quero aproveitar para fazer uma síntese de tudo quanto estou a aprender ou a confirmar sobre a escrita de um texto de longo curso.

- Finalmente, quebrei a barreira psicológica de escrever algo com mais 50 páginas. Tenho 150 páginas manuscritas, às quais poderei ainda acrescentar alguns episódios menores. A partir daqui, não me assusta escrever algo mais longo. Apenas sei que tenho de me dar o tempo necessário à sua escrita. Daqui, depreendo que um romance de cerca de 200 páginas exige pelo menos um ano de escrita e isso depende sempre do tempo que temos para despender. Caso não sejamos profissionais, ou seja, viver de e para a escrita, implica dedicarmos uma a duas horas quase diárias. E, claro que isso também depende imenso da nossa eficácia de escrita.

- Melhorei imenso a minha eficácia de escrita. Percebi em que fases é necessário investir antes de nos deixarmos romanticamente guiar pela inspiração, que nos leva apenas até um certo ponto. Para lá desse ponto, quanto melhor percebermos e planearmos o que queremos escrever, mais depressa chegamos a um produto escrito que depois podemos trabalhar.

- O ideal é conseguir planear 80% do que vamos escrever. Sabermos de onde queremos sair e onde queremos chegar com a nossas história, bem como alguns dos pontos essenciais de passagem. Isto significa que não nos vamos perder e não vamos invalidar uma quantidade importante de teto porque este não se encaixa no trajeto que possamos definir posteriormente. É tão ingrato, embora aconteça mais frequentemente do que gostaríamos, deixar texto, ou qualquer trabalho, em que investimento tempo e dedicação, de fora. Isso implica escrever a história cronologicamente? Não, apenas significa que não nos vamos perder na cronologia dos factos, mesmo que contemos a história de outra forma.

- É importante fazer pausas. Por vezes embrenhamo-nos tanto no processo, que deixamos de ver com clareza a perspetiva geral e empacamos. Então, o melhor mesmo é fazer uma pausa, antes mesmo de atingirmos o impasse. Porque na medida certa essa pausa não necessita ser muito grande.

- É necessário fazer o pousio do texto entre cada fase (primeiro rascunho, primeira revisão, edição detalhada). Isto sem falar de dar o texto a ler a outrem, porque ainda estou muito longe dessa fase e este manuscrito, que é uma fan fiction, não tem qualquer outro objetivo do que lapidar e aprimorar o meu processo de escrita.

- Ter um projeto paralelo. Como defini desde o início que este será, digamos, um trabalho para a gaveta, mas do qual tiraria não só um método de trabalho, mas também alguns episódios transitáveis para outra(s) história(s), ando com uma história paralela no fundo da minha mente. Nesse momento, já sei que não irei utilizar nada do que tenho escrito neste momento nela, mas gradualmente estou a desenvolver as personagens e a iniciar o processo de planificação da mesma. Assim, se tudo correr bem, quando iniciar a escrita da mesma já estarei suficientemente familiarizada com as personagens e intenção de cada episódio para que a escrita flua mais instintivamente. Não é de menosprezar o trabalho inconsciente que dedicamos às nossas histórias.

- Confiar no processo e não apressar o tempo de (re)escrita. As histórias levam o tempo que necessitam a acontecer e a serem escritas. Uma vez adquiridas e desenvolvidas algumas estratégias de escrita, há que confiar que o processo nos levará até ao final. Como não estou a trabalhar com prazos, o meu único problema (era bom, era) é desmotivar e perder foco. Bem, o melhor mesmo é, através da experiência perceber quais são os nossos ritmos e quanto tempo implica cada fase do processo. Assim, torna-se perfeitamente realista saber que, lá está, um romance uma história decente de 150 a 200 páginas, não se faz em menos de um ano. (sim, não lhe vamos chamar romance já, embora pela “quantidade” assim pareça.)

Pelo meio, ficam outras aprendizagens, mas creio que vá talvez dedicar textos específicos nos próximos tempos. Por ora, fica esta partilha que espero seja útil a quem esteja também a navegar por estas águas da escrita de longo curso ainda com terra à vista.

Comentários

  1. Gostei imenso de ler este post. A escrita é algo que me acompanha seja no blogue ou para a gavetinha. No meu caso crio os personagens e a história mentalmente, um pouco como esse personagem da Patricia Highsmith que escrevia livros na cabeça, o termo é dela. Durante alguns meses "imaginei" um livro e depois em 15 dias lancei-me a "teclar", mas depois a revisão durou alguns meses (+ 200 pag.). Já o segundo foi o aproveitamento de um conto de que gosto muito e que decidi aumentar e lá o "encafuei" no livro, embora possa ter vida autónoma.
    Foi um prazer ler o seu texto.
    Os melhores cumprimentos
    Rui

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    1. Obrigada Rui.
      Espero poder ter a oportunidades de ler alguns dos seus escritos. Irei com certeza conhecer o seu blogue.

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