Rodolfo, empregado e figura paternal da Pastelaria Era uma vez…, situada
ao fundo da rua, passou-lhe uma chávena de café cheia. Do Lote mais forte.
“Noite complicada?”
“Não me lembro da missa a metade!”, respondeu Cindy com uma voz rouca
provocada pelo cansaço e os excessos da noite.
“Mas estás bem?”
“Nada que umas horas de sono e um duche não resolvam. Mas obrigada!”
“Vá, bebe lá isso e vai mas é descansar. E já agora, parabéns pela
vitória!”
Cindy anui, bebe o café de um trago e acena adeus.
Sobe a rua e entra no prédio. Felizmente, o elevador está no piso térreo
e Cindy entra, carregando automaticamente no botão. Encosta-se e nem se
apercebe que já está no seu piso. Abre a porta com o mínimo de barulho e deixa
tudo o que traz consigo no sofá da sala. Dirige-se à casa de banho. No espelho,
depara-se com a maquilhagem esborratada e parece ter diante de si a noiva
cadáver do Tim Burton. Enquanto entra para o duche, ouve movimentos pela casa.
Parece que está também a acordar.
Após quase meia hora de duche, e quase revigorada, Cindy sente finalmente
o corpo meio funcional. Da cozinha vem um aroma a torradas. Ao entrar, Pedro
sorri-lhe e passa-lhe o prato com as primeiras torradas. Cindy sorri de volta.
“Isso é que foi celebrar.”
Cindy encolhe os ombros, como quem diz: que mais poderia fazer?
“Falta-te alguma coisa?”
“Que saiba não. Porquê?”, Cindy responde intrigada.
“Porque alguém fotografou isto e pôs a circular na net. Parece a tua.”
Cindy olha para a imagem, que conta já com inúmeros comentários e smiles,
e de facto parece-lhe imenso a sua. Quase em stress, segue até ao sofá da sala
e procura no meio das suas coisas. Um peso no peito. Falta-lhe uma. Deve ser
realmente a sua. E agora, o que vai fazer sem uma?
“Será que diz onde está? Acho que é mesmo a minha. E agora?”
“Lamento dizer-te, mas acho que já foi.”
Uma lágrima rola pela face de Cindy. No meio da loucura pela celebração
da vitória da sua marcha nas festas de lisboa, Cindy perdeu a sua rica sandália
Laboutin comprada por uma pechincha na Vinted, a fada madrinha dos roupeiros
dos menos bafejados por uma conta bancária mais recheada, que namorou durante
meses.
Pedro sorri e diz em compreensão: “sim, eu sei. A Madragoa é linda. Mas
as tuas Laboutin são ainda mais lindas.”
(*) Exercício realizado no âmbito de uma Sessão de Escrita Criativa. Sim, porque todos os desafios propostos são testados previamente. Desafio: Reformular uma história infantil, trazendo-a para a atualidade. Fonte de inspiração: a presente foto.
AB 12-10-2017, algures e sem par à vista |
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