Esta temporada,
no Clube de Leitura da Biblioteca Palácio Galveias, abordamos o tema Irmandades
e começamos com a peça de teatro, Rei Lear. Em Rei Lear, William Shakespeare
não explora tanto a relação entre as irmãs, mas sim entre pais e filhos (num
paralelismo com a personagem de Gloucester).
Como em
qualquer obra de Shakespeare, este explora dinâmicas de poder, normalmente a
legitimidade ou não do mesmo. Como as suas personagens trágicas são, regra
geral, elementos dentro da monarquia, esta dinâmica de poder estende-se aos
laços familiares, que nunca saem incólumes da sede de chegar e/ou de manter o
poder. E aí, qual é o papel do amor paterno, filiar e fraternal quando o poder,
as suas leis e obsessões tudo contamina? E, neste caso, qual o poder de uma
mulher de determinar o seu futuro?
Mas esta peça
é também sobre a velhice. Um velho rei, sem filhos, decide dividir o reino em
quais partes pelas três filhas, duas casadas e a mais nova ainda solteira. Após
o anúncio da abdicação, resolve “testar” o amor das filhas, perguntando sobre
como ou quão estas o amam. As respostas das primeiras são pomposas e enchem o
ego do velho rei. A resposta da mais jovem, aquém das expetativas deste, é o
suficiente para bani-la e exclui-la da herança em vida. Coloca-se imediatamente
algumas questões: Quando se abdica, abdica-se do quê? Do poder num todo ou das
responsabilidades, mas não de uma ideia do mesmo? Está Lear pronto para abdicar
da sua ideia de grandeza? Certamente que não. E é essa a origem de todo o
infortúnio.
Outra questão
que Lear nos coloca é: Quando é que efetivamente se perde capacidade, física
e/ou mental? Quando deixamos de ser temperados de bom senso, para sermos apenas
vistos como loucos, em quem não se pode confiar, nem permitir qualquer
autonomia, como a uma criança pequena? Qual a obrigação do amor perante um pai
colérico, manipulador e intransigente? Qual a medida do amor, quando palavras
bonitas bastam como eventual prova? Como se ama, quando o amor é condicional?
Como em
qualquer tragédia, quase todos os visados morrem. E o reino, ou poder, acaba,
regra geral, nas mãos de uma personagem secundária, que não o cobiça. Esta peça
não é exceção. Esta ironia é um dos modos do autor demonstrar que o poder,
mais do que legítimo ou ilegítimo, é muitas vezes aleatório. Não se merece ou
não ser rei, é-se por lotaria genética.
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